
ROMEU E JULIETA EM DANÇA
Maria Alice Braga
Doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS e pós-doutoranda em Literatura, História e Memória.
A obra escolhida para o presente estudo foi o espetáculo de ballet Romeu e Julieta, de Angelin Preljocaj com trilha sonora de Serge Prokofiev. A escolha deveu-se ao fato do reconhecimento e sucesso da tragédia de mesmo nome, de Shakespeare, a qual se faz presente tanto na literatura como no teatro, no cinema e na dança.
Para situar o leitor, é importante referirmos uma sucinta biografia do coreógrafo Angelin Preljocaj. Ele nasceu na cidade de Sucy-en-Brie, França, em 09 de janeiro de 1957. Preljocaj começou sua carreira artística na dança clássica, passou pelo expressionismo e pela dança abstrata. A composição coreográfica e musical de suas coreografias é trabalhada com muito rigor, estabelecendo associação com outras artes. Assim, de um modo arrojado e inovador, muitas obras dialogam com o repertório canônico da dança. Desde 1996, o Ballet Preljocaj é residente do Centro Coreográfico de Aix-en-Provence.
Romeu e Julieta ressignificado pela companhia francesa sob a direção do coreógrafo Angelin Preljocaj é uma verdadeira obra de arte, visto que a história dramática sobre o amor impossível de dois adolescentes, Romeu e Julieta, de Shakespeare, é eternizada pelos movimentos precisos de corpos/personagens que expressam, cada um, a parte da história que lhe compete. Com o intuito de situar o leitor nesse universo dançante, apresentamos, nos dois parágrafos seguintes, um breve resumo da obra.
A história de amor entre Romeu e Julieta destaca a dramaturgia temática baseada na obra de Shakespeare com ênfase às personagens protagonistas da trama, quais sejam os amantes, Romeu e Julieta. A criação evidencia uma narrativa em que todas as personagens também são destacadas na dança, ganhando visibilidade na coreografia coletiva composta de homens e mulheres que dançam vigorosamente.
O cenário sugere uma cidade decadente e o espetáculo abre com dois grupos diferentes de bailarinos, ou seja, duas classes sociais: de um lado, os ricos (família Capuleto, de Julieta) e, de outro, os pobres (família Montecchio, de Romeu). Os bailarinos simulam uma contenda, mostrando a tentativa de controle da ordem social e também uma disputa de poder. Nesse contexto, a história dançada se desenvolve com delicadeza e precisão de movimentos. Romeu e Julieta se conhecem, apaixonam-se e lutam contra o modo de vida imposto por suas famílias, cuja classe social é distinta. Os bailarinos movimentam-se com muita expressividade, agilidade, elegância, leveza e graça.
O espetáculo brinda o espectador com muitas possibilidades de deleite. A mim, a obra seduz tanto pela técnica como pela emoção que cada bailarino desempenha no palco, reforçando minha visão de mundo sobre a importância e a necessidade da arte, em todas as suas diversas manifestações, para a formação e o desenvolvimento do indivíduo, pois o artista está integrado com a sociedade na qual vive, então, posso afirmar que a arte é fecunda fonte para o exercício da cidadania.
A crítica Susan Sontag afirma que o crítico de uma obra de arte deve proporcionar ao leitor/espectador a possibilidade de apreensão da materialidade da obra. Nessa perspectiva, penso que enfatizar os sentidos do receptor, no que tange à visão, audição e sensações é fundamental, dando a oportunidade ao receptor de estabelecer sua posição diante do espetáculo.
O ballet apresenta o drama de Romeu e Julieta por meio do movimento dos corpos dos bailarinos, que “falam”, que emitem emoções, criando um espaço em que os personagens transcendem a condição material e a arte passa a ser a realidade, não verdadeira, mas verossímil, e provoca a catarse.
No ballet de Angelin, afirmo que todo o espetáculo é fascinante, mas, o que reforça minha opinião, especialmente, é o jogo de espelhamento presente nas cenas, como o preto e branco do figurino das duas bailarinas; o modelo preto dos bailarinos e o branco de Julieta e de Romeu (este, no ato final), assim como a sincronia dos movimentos espelhados. A essa técnica, ouso afirmar que na medida em que cada bailarino se movimenta, o outro executa o mesmo passo refletido e, assim, os movimentos crescem com a visão do outro e os dançarinos executam seu papel num âmbito maior, mais amplo, expandindo a coreografia. Uma técnica perfeita. Os figurinos do elenco são compostos de calças, tanto para o bailarino que representa Romeu quanto para a bailarina que representa Julieta, simbolizando a igualdade de gêneros. Chama atenção a forma estética do vestuário superior da bailarina constituído de um corpete na cor branca que destaca o volume e o formato dos seios numa forma plástica bastante expressiva.
Há o predomínio de tons mais sombrios, tanto nos figurinos como nas cores do cenário, exceto na indumentária de Julieta, que, ao contrário, é luz, é claridade, estabelecendo, desse modo, um jogo de claro-escuro. Tais signos sinalizam questões que incitam a mente de um estudioso atento em direção a um estudo psicanalítico. Também destaco, ao final, a multiplicação de quadros que refletem, sincronicamente, o pas de deux de Romeu e Julieta.
Angelin Preljocaj revisita a obra de repertório clássico dando-lhe novos contornos e diferentes significados simbólicos, transformando, dessa maneira, os efeitos de produção de sentido e de produção de presença dos corpos na narrativa da dança moderna.
Posso afirmar que Romeu e Julieta não se eternizou somente pela Literatura, mas outras manifestações artísticas, como o teatro e o ballet, fazem com que o drama shakespeariano permaneça imortal e universal. O ballet conta a história por meio da dança, isto é, através de uma língua universal, que é a linguagem corporal, assim percebemos o espetáculo. No ballet em grupo, ou no pas de deux, os passos leves conduzem o espectador para o palco, em pensamento, em emoção, tal o nível persuasivo dos movimentos sincronizados e perfeitos.