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ROMEU E JULIETA DO BRASIL PARA O MUNDO

Jussara Gil Teixeira

Graduada em História pela PUCRS e pós-graduada em História da Arte pela FAMUPA e em Teoria do Teatro Cena Contemporânea pelo DAD-UFRGS. Participou de duas oficinas junto à Cia. De Teatro ao Quadrado. Professora aposentada pelo Estado do RS.

O espetáculo Romeu e Julieta, do texto de Shakespeare, encenado pelo Grupo Galpão, de Minas Gerais, apresenta uma nova forma de representação deste clássico, com uma diversidade de detalhes e um tom muito alegre e de muita musicalidade, trazendo, do início ao fim, brasilidade em seu processo criativo.

Na abertura, um cenário grandioso e fixo: uma camionete Veraneio de 1974, que o grupo utilizava para ir a seus shows na década de 80, onde os atores, com seus coloridos figurinos, entram e saem de cena, sempre se apropriando de gestos, danças e utilização de malabares, que também são usados por este grupo, com muito trabalho de corpo e voz (com destaque para a atriz Teuda Bara, por sua leveza e musicalidade, tanto no corpo quanto na voz). Muito expressiva em seus gestos, seja no drama ou na comédia, esta atriz pronta faz parte do grupo desde sua criação, sempre atuante no coletivo do grupo.

O texto é trabalhado minuciosamente, mantendo a poética shakespeariana destacadamente em tom cotidiano e contemporâneo, com o uso de um carro que ocupa o palco, que é o cenário onde os atores interagem todo o tempo, com muitas ações e reações. A cena do casamento é pontuada pelo próprio cenário, que fala por si só, com muita graça e encanto, no ritual do enlace. A música e as expressões corporais preenchem esta cena com elementos tradicionais, como o arroz jogado nos nubentes, repontando a um cômico natural, espontâneo, criado na cena para quebrar a tensão do momento.

As cantigas de roda, como “o anel que tu me destes”, são um encontro do popular com o folclórico. Também há a cena da despedida, que é um destaque, parece uma pintura, um quadro. Alguns termos, como “lambisgoia”, “não aceito propina”, “close the door” e “saracotear”, geram o riso, porque são termos contemporâneos e populares. Podem estes termos ser apropriados ao clássico? 

O diretor Gabriel Villela impõe novas estéticas, sem perder a essência do amor, no desenrolar dos acontecimentos, o que torna este espetáculo único, utilizando uma pitada de humor, sem abandonar o enfoque dramático e trágico original. Basta ver que, na apresentação no Globe Theatre de Londres, ao lado de outros 37 grupos de vários países do mundo, o grupo Galpão foi aplaudido em pé. O grupo dá um toque de brasilidade ao espetáculo, que estreou no início dos anos 90, fazendo este registro já no início da obra, ao entrarem juntamente com o público, esbanjando cores, simpatia e alegria.

A montagem deste espetáculo busca elementos na cultura barroca mineira, que se evidencia na música, nos elementos cênicos, na dança e no figurino, para enfatizar a cultura brasileira neste clássico texto inglês. Na preparação deste espetáculo, os ensaios foram feitos ao ar livre, em locais públicos, onde muitas pessoas se aglomeravam para assistir, isso porque o Galpão era inicialmente um grupo de teatro de rua, habituado também ao uso das pernas de pau, dos malabares, dos instrumentos musicais e dos atores se revezando nos instrumentos como gaita, violão, triângulo, pandeiro, entre outros. Aliás, uma característica do Galpão é a coletividade. O palco é totalmente preenchido, com muita precisão nos gestos e no trabalho corporal.

Os atores trabalham a inversão em uma cena que Romeu está em cima do carro, e Julieta embaixo, demonstrando um claro processo criativo fundamentado no texto, mas com uma nova roupagem, o que faz com que a aproximação com o texto e o trabalho do diretor faça toda a diferença neste espetáculo. Há uma cena que também é muito marcante, pela forma em que o amor se faz presente, quando Romeu parece arremessar a lua para Julieta. É de uma poesia, uma doçura, um romantismo que eterniza este texto, caracterizando um ritmo poético, mas dinâmico e esteticamente contemporâneo. O mesmo acontece no momento em que aparece a imagem dela na sacada, demonstrando beleza e fidelidade ao texto, bem como quando o frade está tocando gaita de boca, revelando um toque cômico e musical na cena.

Este espetáculo coloca o Grupo Galpão na rota de críticos e especialistas por apresentarem novas estéticas muito apropriadas ao contexto político do Brasil e do mundo contemporâneo. A crítica Bárbara Heliodora afirma que o espetáculo é o que mais se manteve fiel às intenções de Shakespeare. Ela atenta-se ao texto e sua fidelidade, destaca as escolhas de cenas pelo diretor, a simplicidade do figurino, e as cantigas que tornam o espetáculo muito receptivo, pois mesmo sendo apresentado em português, em outros países é sempre muito aplaudido, e o riso também se faz presente. Teuda Bara, a ama de Julieta, quando presente, sempre ‘rouba a cena’ com sua atuação de afinado requinte de domínio de voz, corpo e expressão, muito criativa no palco, uma atriz que marca pelo seu talento.

Bárbara Heliodora também afirma que cada época e cada autor tem sua estética, e essa é que tem de ser levada em conta quando se analisa um espetáculo. Para a autora, é o diretor que, em alguns casos, impõe ao texto uma nova estética. Ela afirma: “quando ele é bom e a ideia se justifica, o resultado pode ser muito bom”. É o que acontece com Gabriel Villela, diretor do Grupo, que, nos próprios ensaios ao ar livre, aproveita o público para trabalhar a recepção da obra. Quando alguns começam a sair de perto, ele retoma as cenas e a dinâmica, tornando o processo criativo muito complexo e chegando a bons resultados.

A montagem de Romeu e Julieta do Grupo Galpão é um trabalho que, a partir de um texto clássico, teve uma enorme repercussão entre os críticos, especialistas, jornalistas e estudantes de Shakespeare, que ‘bombaram’ com comentários, críticas e ensaios, que serviram de propulsores na divulgação deste grupo, que já se apresentou em vários países, sempre provocando risos e lágrimas.

Por fim, destaco a potência da cena da morte da bela Julieta, que leva o espectador às lágrimas. A cena constrói um final que conecta muito bem a dor dos pais, da ama e do frei pela morte da personagem, o que registra o compromisso do diretor com a poética do texto, com o amor e com o drama.

Este espetáculo demonstra o quanto é possível, a partir de um clássico de Shakespeare, recriar um espetáculo com uma linguagem popular, regional e cotidiana, propondo novas estéticas. Na montagem do Galpão, há uma recriação especial no texto, no qual o diretor dá voz ao linguajar do povo, com termos que não interferem no original e sim emergem em uma cultura popular característica do Brasil, país reconhecido mundialmente pela alegria, música e cores, através do Carnaval e de diversidades culturais de cada região, das quais a montagem destaca o Barroco do estado de Minas Gerais. O diretor também trabalha, nas falas e canções, a cultura e o momento político do país, com sutileza e engajamento.

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