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O ASSÍDUO MACBETH
 

Margareth Ana Schaab

Professora da disciplina de História, aposentada pela rede pública estadual do
Rio Grande do Sul. Desde 2005, faz parte, como aluna e atriz, de um grupo de teatro amador.

 

No palco, uma floresta estilizada. De trás das árvores, surgem, pouco a pouco, personagens, todas mulheres, de idades variadas, incluindo meninas. Seus figurinos remetem a uma área urbana do mundo ocidental, muito provavelmente nas décadas de 30 e 40 do século XX. Do seu vai e vem, três permanecem no palco. De dentro de suas bolsas “saem” os presságios: aquilo que está reservado, pelo destino, a Macbeth, Banquo e a todo reino da Escócia. Assim inicia-se o espetáculo Macbeth, no qual a tragédia escrita por William Shakespeare é apresentada através da ópera composta por Giuseppe Verdi em 1847, numa produção da Metropolitan Opera de Nova York, sob regência de Fabio Luisi. Nos papéis de protagonistas estão Zeljko Lucic (Macbeth) e Anna Netrebko (Lady Macbeth). Ainda deve-se ressaltar, como solistas de destaque, René Pape (Banquo) e Joseph Calleja (Macduff). O vídeo assistido foi lançado em 2014 e contou com a direção de Gary Halvorson.

A ambientação da montagem em questão nos faz lembrar da atemporalidade do texto shakespeariano, de um Macbeth que se reveste de “novas cores” em cada momento histórico, porém mantém as características que o definem: o desejo pelo poder, a crueldade, a falta de limites nas suas ações e o descontrole emocional.

O texto de Shakespeare, escrito no início do século XVII, tem como base acontecimentos ocorridos na Escócia medieval. O general Macbeth, primo do rei escocês Duncan, após uma batalha vitoriosa, acompanhado do general Banquo, encontra-se com três bruxas. Estas feiticeiras apresentam seus presságios: Macbeth se tornaria Barão de Cawdor e, posteriormente, rei da Escócia. Porém, seria Banquo o progenitor de uma linhagem de reis. Em seguida, Macbeth é informado que o rei Duncan o nomeou Barão de Cawdor. Surpreso com a concretização desta profecia e incentivado por sua esposa, Lady Macbeth, o novo Barão de Cawdor assassina o rei Duncan. Por este meio, torna-se o novo rei da Escócia. O desejo de manter e concentrar o poder desencadeia uma série de outros crimes, como o assassinato de Banquo e da família de Macduff, um nobre, opositor de Macbeth. Assim, se desenvolve uma história marcada por sangue, culpa e desequilíbrio mental.

Na montagem da Metropolitan Opera de Nova York, vários elementos nos remetem ao período do final da Primeira Guerra Mundial e ao contexto da Segunda Guerra, marcado pela grande Depressão e pela expansão dos regimes totalitários. Boa parte dos figurinos, especialmente os sobretudos nas cores preto e em tons terrosos, nos situam naquela época sombria. Há uma cena em que aparece um carro, de modelo característico de então, neve e pessoas que se deslocam como se não tivessem um rumo definido, carregando sacos, malas e suas crianças. Pessoas eram obrigadas a fazer essas “andanças” em virtude das guerras, das perseguições efetuadas pelos regimes fascistas e por causa da miséria que se instalara. No canto que acompanha esta cena, temos o seguinte trecho: “Pátria oprimida, já não podemos chamá-la de nossa mãe”. De forma análoga ao que ocorre na tragédia escrita por Shakespeare, quando a luta sanguinária causa a devastação do Reino da Escócia, na Europa, dominada pelos regimes totalitários e marcada pela Segunda Guerra, os Estados Nacionais já não conseguem proteger seus cidadãos, tão desesperançados por conta das mortes, da miséria e da falta de perspectiva.

Um destaque na montagem é a personagem Lady Macbeth. Isto não chega a ser uma novidade, porque, no próprio texto de Shakespeare, Lady Macbeth exerce papel central no desenrolar da trama. É ela quem fomenta em Macbeth o desejo pelo poder e arquiteta o plano para matar o rei Duncan. O papel coube à cantora soprano Anna Netrebko. Sua voz e presença de palco contribuíram para tornar ainda mais forte a personagem da Lady. A exuberância e a sensualidade dessa mulher remetem a uma característica dos regimes autoritários: a capacidade de seduzir.

Se a sedução dos regimes autoritários foi representada pela figura de Lady Macbeth, o convencimento e a segurança, embora inautêntica, que prometem os regimes arbitrários, veio através do barítono sérvio Zeljko Lucic. Mesmo tendo representado perfeitamente a angústia de um Macbeth marcado pela culpa e hesitação quando só, sua voz poderosa e expressiva traz a ideia de um domínio seguro diante de seus “comandados”.

No final do espetáculo, há uma luta rápida entre Macduff e Macbeth. Este último é vencido. Um trecho do canto diz: “a paz voltou”. Será mesmo? Um menino aparece na cena final usando um lenço vermelho, símbolo de que o sangue ainda está lá, sempre pode voltar a ser derramado. Ainda que, atualmente, em diversos países da Europa, haja proibição do uso de símbolos do fascismo e da formação de grupos políticos com as características dos partidos que defendiam o totalitarismo, consta-se o crescimento de movimentos que pregam ideias autoritárias.

Posições extremistas que apresentam discursos nacionalistas, de controle das fronteiras e de protecionismo econômico, têm recebido muitos adeptos na Europa. Podem contribuir para explicar este fenômeno a crise que enfrenta o continente e o aumento do número de imigrantes. Pesa aí a crença de que a ameaça vem do “outro”.

No Brasil, por sua vez, vivemos num Estado democrático de direito, porém é nítido o fortalecimento de um discurso autoritário. “O ovo da serpente”, título do filme de Ingmar Bergman, de 1977, que faz uma espécie de reconstituição da época que antecedeu a ascensão do regime Nazista na Alemanha, nos lembra que é preciso estar atento. De forma semelhante, Macbeth de Shakespeare, ambientado no período entreguerras, nos faz refletir sobre o perigo iminente, pois a semente da ganância pelo poder pode estar muito próxima, seja em questão de lugar ou de tempo, inclusive dentro de cada um de nós. Isto nos comprova o Macbeth da Metropolitan Opera, personagem que parece frágil ao deixar-se influenciar pelos presságios das videntes, envolver-se nos planos de Lady Macbeth e desorientar-se mentalmente diante do sentimento de culpa. Porém, a vontade de exercer o mando a qualquer custo estava dentro dele, de forma latente, mas sempre ali.

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